sexta-feira, 30 de março de 2007

Skol Beats: divulgada a colcha de retalhos de 2007

Na manhã de hoje, três dias depois de começar a vender os ingressos, a produção do Skol Beats finalmente soltou para a imprensa o line up completo da edição 2007 do festival. Para driblar a superlotação e a falta de conforto dos outros anos (que vinham rendendo cada vez mais críticas por parte do público), o evento vem com novidades: será dividido em duas noites - 4 e 5 de maio - e acontecerá num espaço menor do que o Anhembi, ao lado do Campo de Marte, em Santana. Em cada noite, haverá apenas duas tendas e mais um palco ao ar livre.

Espertamente, a produção procurou agrupar atrações do mesmo gênero no mesmo dia. Claro que, depois que as fronteiras entre os estilos foram para o espaço, não dá mais para esperar encontrar tendas de "house pura" ou "techno puro" - a mistura é inevitável, especialmente no Skol Live Stage, que sempre apostou numa programação bastante variada. Mas, nas tendas, ainda dá para perceber que a escalação dos DJs guarda um certo critério de afinidade.

A sexta será o melhor dia para aqueles que curtem house e suas vertentes. O palco mostrará, entre outras atrações, Léo Janeiro, Gui Boratto e o projeto Life Is A Loop, novo nome da velha parceria de Leozinho e Rodrigo Parcionik (que foram impecáveis na edição de 2005, abrindo para Sasha e John Digweed). Já sob o toldo da tenda DJ Mag, tocarão Ingrid, Gabo, o francês de electrohouse D Ramirez, Paulinho Boghosian, David Guetta (autor do hit de FM "The World Is Mine", que foi tema até de novela da Globo) e o tranceiro Sander Van Doorn. A segunda tenda, Terra Urban Beats, trará pela primeira vez artistas ligados à black music - o destaque é o produtor Afrika Bambaataa, que já tocou aqui.

A segmentação é mais clara no sábado: os amantes do techno se refestelam na tenda The End, com tops nacionais (Renato Cohen, Anderson Noise) e gringos (o fodão Laurent Garnier e a caruda Miss Kittin, que disse bye-bye ao electroclash), enquanto os cybermanos e fãs remanescentes do drum n'bass agitam a tenda DJ Marky & Friends, com as figurinhas carimbadas Patife, Andy e o próprio Marky - que toca primeiro sozinho e depois num inusitado back-to-back com Laurent Garnier, fechando a noite. O palco não poderia ser mais eclético: tem house (Shapeshifters), funk (Bonde do Rolê), techno (Murphy), progressive (Julio Torres) e new rave (novo gênero do momento no exterior, cruzando dance e rock, aqui representado pelo Simian Mobile Disco).

Frustrando aqueles que achavam que, dividindo o festival em dois, o preço dos ingressos também cairia pela metade, as entradas custarão, até o dia 3/5, R$ 120 por dia ou R$ 200 para os dois dias. Depois, sobem para R$ 140 por dia.

O line up de 2007 não chega a ser incrível. Apesar do nível de atrações como Afrika Bambaataa e Laurent Garnier, não há nenhum nome estelar, capaz de comover multidões. Se gêneros como o drum n'bass e o techno estão bem representados, ainda que sem grandes novidades para os paulistanos, o mesmo não se pode dizer da house e do trance, confinados a uma tenda pouco atraente e sem a menor coesão. E para quem, como eu, gosta de progressive house, o melhor negócio é trocar São Paulo por Buenos Aires: no mesmo sábado 5 de maio, acontecerá lá a quarta edição do festival Southfest, com os pesos-pesados Steve Lawler e Hernán Cattáneo.

segunda-feira, 26 de março de 2007

O adeus a Mr. Spacely e a ressaca da house carioca

Acabei de ler no Cena Carioca que na madrugada de ontem faleceu, em Brasília, o DJ Ric Novaes, mais conhecido como Mr. Spacely, vítima de uma parada cardíaca.

A cena carioca começou a ouvir falar de Mr. Spacely lá pelos idos de 2002. Brasiliense, ele fez carreira em clubes da Espanha e Portugal antes de voltar ao Brasil e se fixar no Rio de Janeiro. Seus sets de extremo bom gosto e cultura musical casaram perfeitamente com a vibe houseira do carioca, e o sucesso foi imediato.

Logo ele entrou para o time de residentes da X-Demente, onde foi um dos últimos expoentes da house underground, enquanto o cardápio musical da pista principal se restringia cada vez mais ao tribal americano. Nessa época, Fábio Monteiro começava a fazer suas primeiras festas na Marina da Glória, e Mr. Spacely era escalado para fechar a noite. Ele assumia as pickups com a mesma mistura de tribal e progressivo do DJ anterior, e aos poucos fazia uma transição para a deep house, sempre uplifting e sofisticada, brindando as manhãs na Marina com um astral incrível. Ele foi responsável por momentos inesquecíveis que ficaram na memória da X - a então desconhecida "Days Like This", de Shaun Escoffrey, virou hino do Carnaval 2003 e uma verdadeira "marca registrada" das festas na Marina.

Em 2005, aliado ao produtor Fellipe Marques, Mr. Spacely participou do nascimento de outro grande sucesso da noite carioca: a Bug, um projeto que nasceu descompromissado, nas noites de terça-feira, e, em questão de semanas, já causava filas enormes na porta do inferninho subterrâneo La Cueva, em Copacabana. A Bug reinou absoluta como melhor noite de house da cidade até que, no começo deste ano, os sócios se desentenderam e Fellipe saiu, levando todos os seguidores da Bug para sua nova festa, a Maja, em Botafogo. Com isso, a Bug pereceu rapidamente, e Mr. Spacely acabou voltando para Brasília.

Intrigas à parte, Mr. Spacely deixa saudades na cena carioca, cada vez mais carente de DJs houseiros de verdade. Com Márcio Careca e os Gustavos MM e Tatá se perdendo em experimentações com outros estilos e Léo Janeiro tocando apenas em festivais, só resta aos fãs da boa house music se consolar indo ao 00. E apenas às quintas-feiras, pois a antológica domingueira de house Playground também acaba de morrer: ontem foi feita sua edição de despedida, para que, a partir dos próximos domingos, a casa passe a receber um projeto de - adivinhem ? - tribal.

Com isso, a noite eletrônica GLS do Rio vai ficando cada vez mais parecida com a de São Paulo: tribal de um lado, electro do outro - e quem não gosta de nenhum dos dois estilos não tem para onde correr.

(Foto de Mr. Spacely tirada do site Cena Carioca)

domingo, 25 de março de 2007

Pool party para quem precisa

Este 2007 está sendo o ano em que as bibas paulistanas definitivamente aprenderam a "se jogar" durante o dia. Nunca foram feitas tantas pool parties e day parties na cidade ou em suas imediações. Hoje, enquanto escrevo estas linhas, estão rolando duas ao mesmo tempo - e não é a primeira vez que isso acontece. Dessa vez, até os nomes das rivais são parecidos: Jungle e Jump.

Eu não tenho ido a muitas dessas festas, porque o line up nunca me atrai muito e fico imaginando que vou ter que ouvir aquelas bagaceirices do tipo Offer Nissin e Tony Moran o tempo todo. E sem chance de arrependimento, porque em geral são festas em locais afastados - não dá pra simplesmente se desvincular da carona amiga e pegar um táxi quando der no saco.

De qualquer maneira, é ótimo ter a opção de ver os amigos, dançar e paquerar de dia - sem perder a noite de sono e sem desregular o relógio biológico, o que acaba atrapalhando bastante na hora de voltar ao batente. E o astral de uma comemoração ao ar livre, num dia bonito, é incomparável - mesmo com aquelas duas ou três cenas deploráveis que sempre fazem parte do pacote.

E pelo visto, a onda veio mesmo para ficar. Hoje deu no blog do Italo que todos os próximos domingos até maio já estão tomados por pool parties. No domingo que vem, tem As Meninas; no dia 8/4, domingo de Páscoa, Summer Party; em 15/4, é a vez da pool party da The Week; em 22/4, Rosane Amaral fará sua segunda Pool Party em São Paulo; e, no fim-de-semana seguinte (que é prolongado, por conta do feriado de primeiro de maio), o clã d'As Meninas fará festas nos dias 28 e 29.

Haja óculos escuros na segunda-feira.

sábado, 24 de março de 2007

SPKZ: nada se cria, tudo se copia

Enquanto os moderninhos continuam entretidos com a "santíssima trindade" formada pelos clubes D-Edge, Vegas e Glória, três novos espaços tentam, sem muito alarde, conquistar um lugar ao sol na cada vez mais diversificada cena eletrônica paulistana: o Clash, o Audio Delicatessen e o SPKZ.

Ontem fui conhecer o SPKZ (pronuncia-se "speakers", alto-falantes em inglês). É um sobradinho preto, numa esquina da congestionada Rua Inácio Pereira da Rocha, em plena Vila Madalena. Pelo que sei, ele abre de quinta a sábado, sendo que as quintas (chamadas Galak) têm residência do Márcio Vermelho (que está numa fase bem minimal), e as sextas (Heat) misturam electrohouse e house progressivo, com o argentino Gabo (que andou meio mal de saúde, teve inclusive dois enfartes) e convidados. Ontem era uma noite especial com um convidado dinamarquês, um tal Jokke Ilsoe, cujas produções, dizem, estão no case de feras do progressive house como Sander Kleinenberg, John Digweed, Danny Tenaglia e Anthony Pappa. Achei o currículo do cara bem convincente e resolvi me aventurar.

A primeira coisa que chama a atenção no SPKZ é como eles beberam descaradamente na fonte de outros clubes na hora de bolar a decoração da casa. Para entrar na pista, é preciso atravessar pesadas cortinas de veludo bordô que remetem ao Vegas. Atrás do bar, quadrados brancos com neons coloridos piscam e mudam de cor com a música, igualzinho ao D-Edge. E uma parede da pista é inteira forrada de espelhos, uma "boa sacada" que consagrou o Glória.

Apesar de nada originais, essas idéias funcionam bem: são soluções de baixo custo que conseguem dar uma cara bonitinha a um espaço que, de outra forma, seria apenas uma garagem preta. Já no andar de cima, a mistura de referências não é nada harmoniosa: à esquerda, há um lounge com paredes e sofás de couro vermelhos, que parece citar o Lov.e, e, do lado direito, o que se vê é um bar praiano, com decoração despojada em bambu, que destoa completamente do resto da casa. Do cardápio, além dos bebes de praxe, podem-se pedir temakis, wraps e até churros (!). É como se você tivesse errado de entrada e caído por engano no bar vizinho.

Tudo isso poderia ser duramente criticado se o SPKZ tivesse a pretensão de ser "o novo clube da moda", capaz de atrair os fashionistas com noites de electro e festinhas do site da Erika Palomino. Mas o foco não é esse: o lugar é completamente descompromissado, não faz questão de destronar ninguém, quer apenas ser mais um espaço para projetos eletrônicos na cidade, num bairro que era bastante carente de opções desse gênero. Essa mesma postura low profile parece ser a dos freqüentadores, todos héteros e tranqüilíssimos, sem afetações, sem confusões - e também sem grandes emoções. O tal dinamarquês mandou muito bem no som, uma mistura bastante atualizada de electrohouse com progressive, mas, para aquela molecada pacata de vinte e pouquinhos anos, aquela ali era apenas mais uma noite como outra qualquer.

O próximo fim-de-semana será minha vez de conhecer o Clash. O clube - um galpão na Barra Funda, perto da Blue Space - vai receber, no sábado, uma edição da festa Colors, tradicional núcleo de house de São Paulo. Vou conferir e depois escrevo aqui minhas impressões.

sábado, 17 de março de 2007

The Week: só para as "tops", meu bem

"Mesmo com uma freqüência menor, faturamos mais. Quem entrou, consumiu. Não queremos bibas truqueiras que pegam garrafa vazia no chão para tomar água na torneira do banheiro ou tumultuam a fila para entrar como VIP sem ser". Com essas palavras, que teriam sido ditas por André Almada ao jornalista Sérgio Ripardo, da Folha de S.Paulo, a The Week justificou sua nova política de preços, que incluiu aumentos substanciais no valor da entrada. O preço da lista de descontos foi para R$ 40 e, na porta, agora paga-se R$ 50 para entrar. Para pagar menos - R$ 30 - é preciso já ter sido cadastrado e recebido um cartão-fidelidade pelo correio. E tudo isso em noites normais, em que tocam apenas os DJs residentes. Como era de se esperar, essas declarações provocaram o maior bafafá no mundinho.

Quem conhece o meio gay sabe bem que tem um monte de verdades ditas aí. Afinal, se há uma coisa que as bichas adoram fazer, é comer sardinha e arrotar caviar. Daí vem a gíria "truqueira": que dá o truque, quer enganar, fingir ser o que não é. Não faltam exemplos de gays que fazem verdadeiros malabarismos para sustentar ícones de status (o jeans da Diesel é um clássico) que são pouco compatíveis com seu real padrão de vida. A conseqüência é sabida por todos: para compensar a ostentação aqui, é preciso apertar ali, e isso inclui mendigar a entrada grátis na boate, numa verdadeira gincana de caça e puxa-saquismo de quem controla a lista vip - no caso da The Week, a hostess Grá Ferreira [mas, com a nova estratégia, justamente para acabar com esse assédio, a lista foi extinta e agora só entra de graça o "verdadeiro vip", que recebe um cartão especial pelo correio]. Até aí, tudo bem, nenhuma novidade.

No entanto, é certo que algumas verdades não devem ser ditas, especialmente para a imprensa. Muito menos por quem ocupa a posição de André Almada. Se ele realmente disse isso, suas palavras foram, no mínimo, de uma deselegância atroz. Sem perceber, o frontman da The Week se pôs exatamente no mesmo nível das tais bibas "penosas" tidas como malditas pela casa. Confesso que fiquei chocado com a matéria, especialmente porque uma das características que sempre me chamaram a atenção no André foi seu extremo tato e gentileza com todos. Ele sempre soube ser muito político - mesmo quando a saia era justa.

Como estabelecimento comercial voltado ao lucro, a The Week pode fazer o que bem entender. A casa é mesmo incrível, colocou São Paulo em posição de destaque entre as principais capitais do mundo quando o assunto é boate gay. E é claro que, com tantos predicados, ela passa a atrair mais e mais gente, a tendência é justamente o público se ampliar, num processo de democratização inevitável que toda casa vive quando começa a chamar a atenção. Com essa ampliação, a freqüência se diversifica e às vezes a casa acaba perdendo o foco do início. Aos poucos, a The Week estava mesmo se tornando um "balaio de gatos" e, numa cena em que os preconceitos são muitos, nem todos acham bem-vinda essa pluralidade. Se o público-alvo da casa é o gay de elite, rico e bonito, a solução mais fácil para recuperar o foco é justamente subir os preços e fazer uma peneira forçada.

Mesmo assim, por mais que a The Week tenha um objetivo claro e esteja lutando por ele, ela não deveria deixar de ter um pé na realidade - sob pena de acabar dando um tiro no pé. André Almada está convicto de que, mesmo com uma freqüência menor, a casa vai faturar mais. Que ela se garante com os que passarem na peneira dos preços. Mas... será que a cena gay de São Paulo tem tanta "top" assim ? Não digo as ditas "tops" que, por questões estratégicas variadas, são "vipadas" pela casa e nada pagam, mas sim as "tops" de verdade, que efetivamente pagam a entrada cheia de R$ 50, consomem bem e bancam sozinhas a casa. Bancam mesmo ? São Paulo tem uma fartura de bibas afortunadas, capazes de fazer bombar aquele espaço enorme ?

Meu singelo palpite é que não.

O que vai acontecer agora é uma incógnita. Muita gente achou a nova postura da The Week extremamente antipática, e com razão. E não só as tais "penosas" que, reza o folclore, pegavam três conduções para chegar e foram excluídas. Mas gente que tem dinheiro (e também senso crítico) começa a questionar se a The Week realmente vale tudo isso. Afinal, até mesmo por ter chegado a uma fórmula vitoriosa, a casa já não se esforça tanto para agradar como no começo. Essa é a deixa perfeita para que a concorrência finalmente ouse colocar as asas pra fora. Sérgio Kalil, por exemplo. Não que os gays descolados ainda se atraiam pelo seu gosto irremediavelmente cafona e datado (para ele, os anos 90 ainda não acabaram...) - mas, repito, o mundo gay não é feito só de "tops". Quem acha que é e pensa assim são aquelas eternas sonhadoras, que colocam em sites de encontros anúncios exigindo um homem perfeito que simplesmente não existe.

domingo, 11 de março de 2007

Héteros que parecem gays... que parecem héteros

É sempre interessante quando uma reportagem de jornal ou revista retrata fatos do nosso mundinho e tenta mostrá-los para o grande público. Ver pontos de vista externos sobre as coisas que nós não questionamos, justamente por já tê-las assimilado, é enriquecedor. E acompanhar os inevitáveis escorregões dos textos – termos como “festa rave” e “música tecno” já são clássicos em reportagens do gênero – acaba sendo até engraçado.

Na edição da Folha de S. Paulo de hoje, a colunista Mônica Bergamo falou sobre um assunto que eu já venho comentando há muito tempo: os homens héteros estão cada vez mais parecidos com os gays. Seus corpos supersarados, esculpidos com muita bomba e depiladíssimos, enfeitados com adornos como correntes de prata, parecem ter saído diretamente das pistas gays descamisadas. Até as grifes são as mesmas: óculos Prada, cintos e acessórios Dolce & Gabbana, cuecas Calvin Klein. Ou seja: está cada vez mais difícil dizer quem é quem, a confusão é geral.

Eu comecei a constatar isso há uns três anos, no Rio de Janeiro, a consagrada capital dos anabolizantes no Hemisfério Sul. Indo a festas héteros, comecei a ver um monte de caras que pela aparência tinham um enorme “potencial gay”, mas simplesmente não eram. O meu olhar, afiado de tanto freqüentar X-Dementes e outras festas gays, fazia meu radar apitar a toda hora – mas eram, em sua grande maioria, alarmes falsos. Os códigos das barbies gays estavam todos ali, mas eles gostavam era de mulher. Mais tarde, fui percebendo esse mesmo fenômeno também na pista do clube Sirena, em Maresias, e no cada vez maior número de raves, onde a aproximação das tribos em torno da música eletrônica acabava facilitando essa apropriação de referências.

A reportagem do jornal conversou com vários exemplares dessa nova onda de bofes-barbie (inclusive em Ipanema, como era de se esperar). E apontou todos os ingredientes de que falei acima: os corpos bombados e depilados, as correntes prateadas, as tatuagens e o apego às grifes. Tirou fotos de vários (e também de barbies gays, para mostrar as semelhanças) e colheu depoimentos até interessantes, como o de um hétero que diz que na verdade são os gays que estão imitando os héteros bombados, inspirados no sucesso que esses fazem com as mulheres. (A-ham...)

Essa onda de adesão heterossexual a uma estética gay não chega a surpreender. Afinal, os gays sempre anteciparam tendências mesmo, isso é um fato histórico. Só para ficar em um exemplo bobo, se em meados dos anos 90 os tricôs finos ganharam as araras de lojas como VR e Crawford, foi porque anos antes eles foram usados e consagrados entre o público fashion (e gay) de lojas como Zoomp e Iódice.

O “pioneirismo” gay não quer dizer, no entanto, que os gays sejam sempre os reis do bom gosto. Afinal, quer coisa mais cafona do que house tribal ? E aqueles oclóns enormes com as marcas “Dior” e “D&G” escritas em letras garrafais ? Decididamente, se os gays acertam a mão em muitas coisas, não faltam excessos de gosto duvidoso para mostrar que eles também erram, e muito.

Se os gays estão sempre à frente, é porque são destemidos, ousam mais e experimentam sem medo, não se podam tanto como os héteros. Por serem acostumados a viver à margem, eles aprendem a não dar tanto ouvido para as opiniões alheias, a se bastar sozinhos e dar de ombros às eventuais críticas. E é essa mistura de coragem e criatividade que gera novas idéias, novas estéticas e novos comportamentos que, depois de testados e aprovados no mundinho, aos poucos ganham o mundão, ainda que numa versão diluída.

A reportagem da Mônica Bergamo fez um retrato bem fidedigno dos héteros que levaram um banho de X-Demente, mas não explorou o outro lado da moeda, e que eu sempre venho comentando com meus amigos. Muitos gays também estão com um visual cada vez mais hétero. E isso não por aquela preocupação de parecer insuspeito, de não dar pinta, de fugir do preconceito, e sim por livre escolha, uma questão de preferência pessoal, de estilo mesmo.

O primeiro exemplo que me vem à cabeça é a crescente adesão dos gays a códigos e marcas de streetwear e surfwear, como Quiksilver e Rip Curl. E tome bermudões lá embaixo, moletons de zíper e capuz, bonés de skatista. É verdade que as passarelas andaram promovendo uma fashionização da roupa esportiva (vide Cavalera, Sommer, Triton), mas não é a isso que eu me refiro, e sim a uma adoção do legítimo sportwear – aquele que se encontra nas lojas da Galeria River (no Rio) ou nas dezenas de multimarcas do Shopping Metrô Tatuapé (em SP). Depois de começar com a Osklen e a Blue Man, os gays foram aos poucos pesquisando outras marcas e compondo looks cada vez mais bofes.

Outro item providencial no guarda-roupa do “gay com cara de hétero” é a calça de capoeira. A onda começou na academia, onde alguns poucos faziam capoeira e depois colocavam uma camiseta por cima para treinar musculação. Depois, essa combinação acabou ganhando as ruas – e outros adeptos que passam bem longe do esporte. É um visual confortável, de certa forma estiloso, e que passa uma atitude autêntica - de bofe.

Para terminar, não posso deixar de mencionar uma das marcas de roupa mais cobiçadas pelas próprias barbies (as barbies gays mesmo, não essas “neobarbies HT”): a americana Abercrombie & Fitch. Em todas as suas coleções, não há absolutamente nenhuma referência ao universo gay, nenhum detalhezinho fashion, nada. É uma estética completamente neutra nesse sentido, 100% heterossexual. E a marca tornou-se objeto de desejo justamente onde ? Dentro da boate gay.

E o que eu acho disso tudo ? Eu não acho nada. Aliás, acho ótimo. Tem mais é que miscigenar mesmo, misturar referências e derrubar rótulos. As pessoas precisam se prender menos a códigos e ser mais criativas, transitar livremente e compor uma individualidade própria. E outra: com essa ambigüidade cada vez maior, as pessoas vão passar a fazer menos julgamentos e presunções pré-concebidos a partir da aparência das outras, e olhar mais para o lado de dentro delas. E verão que, no fundo, roupa pode dizer muito, mas não deixa de ser só um detalhe.

sábado, 3 de março de 2007

O mundo secreto dos vapores encantados

Estou devendo aqui algumas anedotas da minha aventura solitária por Salvador e Recife. Tenho várias coisas pra dividir, mas minha nova vida de trabalho e faculdade não está me deixando muito tempo livre para sentar e escrever. A questão é que acabei de ler uma certa notícia num site GLS e percebi que esse era o gancho perfeito para eu falar do assunto de que vou tratar hoje.

Se todo recifense que se preza ama São Paulo e vive vindo pra cá (isso ainda será assunto de um post específico), a recíproca não é verdadeira: o paulistano médio sabe muito pouco sobre Recife - e o paulistano gay, menos ainda. Por isso, quando decidi conhecer Recife e saí atrás de dicas sobre o que fazer na cidade, acabei tendo que conversar com gente de tudo quanto era canto (pernambucanos, baianos, paraibanos...), pois meus conterrâneos não tinham como me ajudar.

E qual não foi a minha surpresa ao ouvir uma, duas, três, dez vezes, que o que eu não poderia deixar de conhecer era uma sauna - Termas Boa Vista, ou "TBV" para os íntimos. A surpresa não foi terem me indicado a sauna (não tenho nenhuma restrição moral em relação a saunas; acho muito mais digno você descarregar seus eflúvios hormonais num lugar seguro, discreto e feito para isso, do que queimar o filme de toda a comunidade gay fazendo pegação em banheiro de shopping center), mas sim a ênfase com que essa recomendação me foi dada. Era só falar de Recife e 100% dos meus "entrevistados" mencionavam imediatamente esse lugar. Diziam que eu não acreditaria nos meus olhos, que eu nunca tinha visto nada igual, que era a melhor coisa de Recife inteiro e eu não ia querer saber de mais nada. A TBV seria algo como "a The Week das saunas".

Claro que cheguei no casarão na Boa Vista com a expectativa lá em cima. E ainda assim, caí pra trás. Todos estavam certos: eu nunca havia visto nada parecido com aquilo. Mais do que a The Week das saunas, a TBV era o Taj Mahal das saunas, a Disney World das saunas, uma verdadeira fortaleza da luxúria, digna de países de Primeiro Mundo e anos-luz à frente de suas concorrentes do eixo Rio-São Paulo. Precisei de uns vinte minutos pra conhecer tudo, e de outros trinta para superar a perplexidade e recolher meu queixo que estava caído no chão.

Logo na entrada, havia um lounge com móveis de vime e um home theater. À direita, os armários individuais e a escada para o piso de cima. Mais adiante, lavabos e mais armários e, à esquerda, alguns chuveiros e as saunas seca e a vapor. Até aí tudo bem, não fosse a atenção aos detalhes: materiais de primeira, louças caras, pias de mármore, essências aromáticas delicadas nas saunas, ambas com o tamanho e a luminosidade ideais... Nos lavabos, uma larga faixa de espelhos nas quatro paredes dava ao usuário a chance de se enxergar de corpo inteiro, em todos os ângulos e nos mínimos detalhes.

Mas isso era só o começo. Subindo as escadas e virando à esquerda, um corredor levava a uma ala de umas quinze cabines individuais - onde novamente os detalhes faziam toda a diferença. As cabines, em tom amarelo-pastel, tinham um colchão confortável, iluminação indireta com lâmpadas dicróicas, ar condicionado fresquinho, papel toalha e um asseio impressionante - todas limpíssimas e perfumadas com bom gosto. Algumas tinham até um civilizado olho mágico na porta, institucionalizando o voyeurismo. O mesmo corredor ainda levava a um cinema com três fileiras de poltronas e um labirinto escuro.

À direita das escadas, chegava-se a um bar bastante agradável, com muitas mesas e um palco para shows. O teto, basculante, abria para o céu estrelado da cidade. Atravessando o bar, havia ainda outra ala com mais quinze cabines limpíssimas, uma sala de TV, mais chuveiros, um restaurante (!) e uma escada que descia para um bucólico jardim de inverno, com chaises longues entre plantas, um cyber café de uso livre e uma sala de repouso. Tudo novo, tudo limpo, tudo lindo.

Claro que nada disso seria suficiente se a freqüência não agradasse. Mas a casa bombava, especialmente aos sábados e domingos, quando chegava bastante gente interessante. Dava de tudo, claro, mas era possível encontrar alguém que apetecesse sem ter que gastar o chinelo inteiro.

De repente reparei que, enquanto as toalhas da maioria dos caras eram brancas, as de alguns eram azuis. E esses caras de toalha azul tinham, invariavelmente, corpos es-cul-tu-rais, perfeitos mesmo, daqueles de caixinha de cueca. Aí fui ligando uma coisa à outra e me dei conta de que aqueles verdadeiros galãs eram, hã, "massagistas". Mais um ponto para a casa: ao invés de abordar os clientes da casa e oferecer seus serviços ostensivamente, eles se misturavam aos demais com naturalidade, sem constranger ninguém, sem deixar o clima pesado. E o mais importante: havia gente bonita o suficiente para que ninguém precisasse sequer se lembrar de que eles estavam lá, como mais uma opção de prazer.

O mais interessante é que, pelo fato da casa ser tão agradável, as pessoas não vão lá simplesmente para gozar e ir embora em seguida - em vez disso, encontram os amigos, ficam pelo bar, assistem aos shows (na linha dos da Blue Space), de repente dão uma voltinha pra aprontar, voltam pro bar, fazem uma sauninha para a pele... e com isso passam horas lá, como se estivessem num clube. Muito mais do que uma sauna de pegação, a TBV é um verdadeiro espaço de convivência social, onde muitos até abstraem a parte sexual e vão apenas para se divertir. E tudo isso por 17 reais, um preço mais do que honesto. Sem dúvida, um ponto alto na estada de qualquer viajante gay em Recife.

Enquanto isso, em São Paulo, a cidade mais poderosa do País, o centro financeiro e cultural onde tudo acontece e para onde toda a informação converge... as opções de saunas gays vão de mal a pior. Entre dezenas de estabelecimentos, as duas consideradas "melhorzinhas" não estão nem aos pés da TBV. A For Friends, alardeada pelos quatro cantos como a "número 1" da cidade, tem até uma estrutura razoável, mas não oferece cabines para os freqüentadores e há anos não investe um tostão em melhorias, deixando tudo com cara de gasto, de velho. E, por falar em velhos, a faixa etária média dos freqüentadores é tão alta que a casa deveria mudar de nome para Termas Cocoon.

Já a Labirinttu's, estrategicamente localizada na Rua Frei Caneca, se aproveita do intenso vaivém de gays pelas redondezas, mas é escura, imunda e deprimente - para fazer a pescaria e chegar às vias de fato, é preciso se espreitar por corredores escuros, úmidos, malcheirosos, e fazer tudo ali mesmo, ou nas três únicas cabines (igualmente escuras e sujas) que há. É como se os gays ainda vivessem há vinte anos atrás, quando a marginalidade os forçava a se enfiar em buracos decrépitos, fazendo sexo no escuro como se isso fosse algo errado, como se não pudessem encarar o que são. É por causa de casas como essa que ainda hoje uma parte substancial dos gays de SP tem uma idéia tão negativa das saunas, como se elas fossem apenas um antro de solidão e doenças. Idéia completamente derrubada por casas como a TBV, onde as pessoas se curtem, se gostam, exploram as diversas possibilidades que possuem - enfim, celebram o prazer de ser o que são.

E agora você me pergunta: e o gancho com a notícia de hoje ? A novidade é que, ao que parece, São Paulo vai finalmente ganhar uma sauna à altura do seu nível de excelência em tantos outros serviços. Pelo menos é o que sugere esta matéria do Mix Brasil. Com uma concorrência tão precária, espaço é o que não falta. Só espero que, na hora de estipular o valor da entrada, ela ache o delicado equilíbrio entre um preço baixo demais, que popularize além do desejável, e um preço alto demais, que limite a freqüência àquele povo nojento que só faz carão - prática que definitivamente não combina com sauna.