quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Moby para quem precisa

E eis que, com alguns aninhos de atraso (ele poderia ter vindo nas turnês dos discos anteriores Play e 18), o Brasil finalmente recebeu Moby em seus palcos.

Nesses tempos em que rótulos se fundem e rock e eletrônica se cruzam promiscuamente, um show de Moby era uma incógnita, especialmente para quem não assistira a nenhum de seus DVDs. Outros nomes da eletrônica, quando tocaram ao vivo no Brasil, acabaram tendo que adaptar suas músicas para o palco, em releituras que, mesmo dotadas de valor artístico, desvirtuaram um bocado as faixas e frustraram a expectativa dos fãs que, em última análise, estavam lá para dançar. Os hits do Groove Armada perderam muito de seu poder dançante no show no Autódromo de Interlagos, no Skol Beats de 2002; o duo Chemical Brothers, mesmo apelando para os sintetizadores, num misto de live PA e bases pré-gravadas, só convenceu porque agregou à sua apresentação toda uma parafernália visual, com telões e efeitos que criaram um verdadeiro "videoclipe ao ar livre", mascarando a performance apenas mediana de seu som.

E Moby ? Moby trouxe uma banda nitidamente profissional e muito bem entrosada entre si, e deu ao público o que ele queria: um apanhado dos hits de sua carreira, desde a jurássica "Go"(1993), egressa de um tempo em que a eletrônica como a conhecemos apenas engatinhava, até "Lift Me Up", faixa de trabalho de seu álbum mais recente, o irregular Hotel.

O curioso é que as faixas funcionaram muito bem no palco sem que fossem necessárias grandes adaptações em seus arranjos - tirando a substituição da base eletrônica por um baterista (nova-iorquino filho de mãe paulistana e uma graça, diga-se) e um ou outro solinho de guitarra que não se fazia ouvir nas faixas de estúdio, pouca coisa foi mexida. Ao vivo, as canções convenceram ao ponto de em alguns momentos a gente esquecer que "Moby" não é uma banda, e sim um produtor de música eletrônica.

Isso foi conseqüência não só da insuspeita vocação rocker de músicas como "Bodyrock", que fez o público pular e bater cabeça como nos idos da febre grunge, como também da inclusão de algumas covers algo inusitadas, como "Sweet Child O'Mine" (Guns N'Roses), numa versão meiga com sabor de karaokê romântico, "Creep" (Radiohead), que poderia muito bem ser a história de vida do próprio Moby, um esquisitão por natureza, e "Break On Through" (The Doors), executada com competência pelo guitarrista num momento do show em que Moby deixou que cada integrante de sua banda fizesse um número próprio para mostrar suas habilidades.

O público mostrou que já tinha assimilado bem o trabalho do produtor, cantando em uníssono inclusive as letras de algumas faixas que não tiveram tanto destaque em sua carreira. Desnecessário dizer que em "Natural Blues", "Why Does My Heart Feel So Bad" e sobretudo "Porcelain", carros-chefe do multiplatinado disco Play, o mal-produzido Espaço das Américas quase veio abaixo, dando aos artistas a certeza de sua consagração em solo brasileiro.

Mereceu destaque a performance da vocalista de apoio que, com sua poderosa voz de negona americana, garantiu alguns dos momentos mais emocionantes do show. Seu berreiro sarará fez toda a diferença em faixas como a vigorosa "Find My Baby", o gospel de arena "In My Heart" e a antiguinha "Feeling So Real" (do álbum Everything is Wrong), usada para encerrar o show de forma enérgica.

Em termos de atitude, Moby mostrou que não é tão tímido e introspectivo como se supunha, conseguindo sorrir e se soltar no palco, mas sua interação com a platéia foi um tanto quadradinha, com direito aos "obwrigado obwrigado" de praxe, alguns "is there anybody having fun here ?", e o apelo fácil (e discutível) de criticar o governo Bush para incitar a platéia (como se a massa adolescente que o aplaudia tivesse algum gabarito para avaliar a política externa dos EUA). Nesse sentido, quando Moby incitou os presentes a mostrar seu dedo médio para que ele pudesse tirar uma foto, me senti na platéia do Passa ou Repassa, extinto game-show televisivo apresentado por Angélica.

No fundo, num momento histórico em que até a rebeldia e o questionamento já foram pasteurizados, enlatados e digeridos pelos meios de comunicação de massa, seria demais esperar que Moby emergisse como um novo messias. Em vez disso, o moço fez um show redondinho, que agradou aos fãs ávidos por cantarolar os hits e mostrou para os desinformados que, além de ser um carequinha vestido de astronauta que não come carne, ele é um virtuoso multi-instrumentista que sabe transpor com desenvoltura os limites da música eletrônica.

(foto: Atena Kasper)

Nerd competente

E acabei de voltar do show do Moby.

Um show redondinho, ótimo para os fãs de verdade, que conhecem o repertório do carequinha e acompanharam a carreira dele. Na verdade foi um show mesmo, muito mais para o lado rocker do que para o lado da eletrônica. E o curioso foi ver como muitas de suas faixas funcionam bem no palco, amparadas por uma banda super tarimbada, à altura do virtuosismo de Moby, que brindou o público com solos de guitarra e percussão em algumas músicas.

Mais detalhes sobre o show, a atitude, o repertório, a produção, o público e os bastidores amanhã, numa resenha completa :)

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Lições do exílio forçado

E ficar doente faz parte. Quer dizer, nunca faz parte do script, sempre atrapalha, mas até que é bom sair um pouco de cena e ver a vidinha de fora. Ah sim, e se entupir de doces e cookies vendo TV a cabo na cama da mamma, depois de padecer com o "consomê de cabo de guarda-chuva" servido por três dias consecutivos no hospital.

Confesso que eu me desiludi um pouco com os meus amigos. E digo isso de forma geral, não dirigida a ninguém em especial. E falo aqui porque sei que enquanto o meu fotolog gera até alguma repercussão, este blog ninguêm lê mesmo - e eu não quero que meus amigos levem a mal e se ofendam com o que vou dizer.

No fundo, eu sei que tenho bons amigos. Sou um cara bastante sensível e sinto quem gosta de mim de verdade - e, com o tempo, saco também quem são os falsos que falam coisas legais e depois me gongam pelas costas. Não posso reclamar, não sou o Mr. Popular - nem quero e nem tenho vocação para isso - mas sou um cara querido. E isso me basta.

E daí que quando eu fiquei doente, eu imaginei que fosse receber várias visitas, imaginei o sofá do hospital e depois as poltronas de casa cheias de gente sentada, me visitando, me alegrando, me passando algum carinho...

...e praticamente ninguém veio me ver.

Recebi vários telefonemas e comentários solidários no fotolog - gostei muito e prezo cada um desses gestos, que creio serem de preocupação ecarinho legítimos. Mas quando eu fico doente, fico super fragilizado, carente, choro com qualquer coisa, e nessa hora tudo que eu mais preciso é de carinho físico, não virtual. Colo mesmo. Como uma espécie de compensação pelo fato de eu estar ali, doente, prostrado, sem poder fazer nada.

E os dias passaram, eu pensava que hoje ninguém teve tempo mas amanhã alguém virá, e depois fui vendo que ninguém iria me ver mesmo.

Tá, fiquei frustrado mas sobrevivi, estou praticamente restabelecido, e não pretendo fazer drama em cima disso. Mas saquei que cometi mais uma vez o erro que me levou a me magoar muitas vezes com a spessoas: eu projetei o meu prisma de valores nos outros.

Explico. Se algum amigo que eu realmente prezo estivesse doente, no hospital, assim que eu soubesse eu daria um jeito de ir lá visitar. Pegaria meia horinha do meu dia (não mais do que isso porque visitas longas muitas vezes cansam o doente) e daria um pulo lá, daria um abraço, traria simpatia, calor humano, energias positivas. Mostraria que aquela pessoa era querida e eu estava preocupado com ela (por mais que a recuperação fosse tida como certa).

Se fosse um amigo mais íntimo, eu faria até mais do que isso. Acho que faria mais visitas, conforme o tempo de recuperação da pessoa. Iria ao hospital e depois, sabendo que o repouso em casa seria longo, faria uma visita demorada quando ele(a) já estivesse em casa. Domingo foi feito pra isso. Domingo é dia de visita. Até no Carandiru era assim. Presos e doentes merecem essa atenção.

Só que esses são os MEUS valores. Eu sou assim porque me importo, é assim que eu sei ser amigo, essa é a minha maneira de mostrar meu amor.

Claro que os outros não têm a obrigação de se pautar pelos mesmos valores - e não se pautam mesmo, como mostram episódios como esse. Mas mesmo assim, sabendo disso tudo, eu criei expectativas e me frustrei.

No fundo, volto a dizer, eu sei que meus amigos gostam de mim, que são bons amigos, alguns muito especiais. E são amigos do jeito que sabem ser. O que nesse caso não inclui visitas quando se está doente. Acho que preferem só me ver numa boa, dando risada, comendo coisas gostosas, gastando dinheiro, fazendo turismo, tirando fotos, me jogando na pista. Tudo menos ficar deitado de moletom na cama sem achar posição e esperando o dia passar. Sei lá.

E com isso eu vou voltando devagar à ativa, mas confesso que sem a mesma vontade de procurar as pessoas que eu tinha antes. Não é rancor, e não vou deixar isso contaminar as minhas relações. Quando for o caso, eu continuarei sendo o amigo fofo e atencioso que eu acho que sou, e farei as coisas que eu sempre fiz espontaneamente - porque elas vêm de dentro, sem eu esperar algo em troca por isso.

Por outro lado, se aquilo não vier de dentro... se eu não estiver com vontade... não vou mais me sacrificar por ninguém. Vou ser fiel à minha vontade. Pensar em mim. Não foi isso que todo mundo fez ? As pessoas não fazem só o que querem, o que é agradável pra elas ? Então, pronto. Se "ninguém é obrigado", acho que eu fui o último a descobrir. Mas descobri. E estou me "desobrigando" a partir deste exato momento. Fui.

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Reflexões sobre o chica-chica-bum de domingo


Muitos criticam a Parada. Dizem que virou comércio, que só atende aos interesses da indústria de produtos GLS e dos operadores de turismo. Que não se fala em política, e que as bichas estão cagando para seus direitos. Que só querem fazer putaria no meio da rua, e que com essa postura elas nunca vão conquistar o respeito à sociedade. Que a Parada virou um zoológico de tipos bizarros e que os heteros vêm lá é para rir dos gays, não para simpatizar e transmitir apoio.

Acho essas críticas radicais demais. Concordo em parte com tudo isso, mas é inegável que dois milhões de pessoas mostrando seu orgulho na avenida mais importante da cidade mais importante do Brasil têm um significado enorme.

É uma conquista de visibilidade.

É a amostra de que, sim, hoje existe mais espaço para que as pessoas exerçam a sua cidadania, que obviamente inclui o livre e sadio exercício da própria sexualidade.

É o sinal de que, aos poucos, gays e lésbicas estão deixando de ser um tabu e passando a ser enxergados como pessoas, além dos estereótipos da mídia.

É uma manifestação de força de um grupo enorme de pessoas que se aceitam e são bem-resolvidas, cansaram de ser varridas para baixo do tapete, e agora vêm reivindicar não mais do que um tratamento signo, justo e igualitário.

Pode até ser que no final das contas tudo não passe de mais um Carnaval. De qualquer forma, só temos que comemorar o fato de que, hoje, existe espaço para esse tipo de Carnaval, que seria impensável há dez anos atrás.

segunda-feira, 30 de maio de 2005

Semana da Parada, parte 2: sexta e sábado

Sexta, dia 27. Depois de um dia normal de trabalho para muitos, duas grandes festas disputaram a preferência do público. No Anhembi, a E-Joy Moon reunia DJs nacionais e estrangeiros em duas tendas e um palco, num arremedo de festival de música eletrônica para gays, que recebeu informalmente o apelido de Skol Bicha. A atração mais esperada era a cantora americana Deborah Cox, considerada por alguns como a nova Whitney Houston (?), e que empresta sua voz a alguns dos hits mais grudentos e manjados das pistas gays.

Enquanto isso, a The Week recebia o top DJ Peter Rauhofer, dono de selo e produtor respeitado, que já fez remixes para artistas de primeira linha e lançou ótimas coletâneas em CD, puxadas para o progressive house. Como tenho ojeriza a drag hits e não tenho a menor vocação para jogar o cabelo pra lá e pra cá fazendo dublagem, escolhi a The Week, até porque já tinha visto o Peter tocar (muito bem) numa X-Demente no Rio em 2002 e já conhecia alguns de seus CDs (também muito bons).

Infelizmente, porém, o set dele foi uma grande decepção. Ao invés de mostrar sua cultura musical e aproveitar o público de qualidade que estava lá para vê-lo, ele optou pelo caminho mais fácil de reproduzir a hard house das piores pistas gays, e fez um som burocrático, maçante, arrastado, estridente. Começou apenas sem inspiração, e foi-se tornando um martírio tão grande que, às 5h30, não agüentei e fui embora, três horas antes do fim do set dele. Na saída, encontrei uma fila de pessoas vindas do Anhembi, dizendo que a E-Joy tinha sido um lixo, cheia de gente feia e com um pífio showzinho de apenas 6 músicas da Deborah Cox. Ou seja: a noite mais esperada por todos acabou sendo a pior da semana.

Sábado, dia 28. Assim que se recompuseram da jogação de sexta, todos os gays que estavam em São Paulo aparentemente foram passar o dia no mesmo lugar: a Praça Benedito Calixto. Antes das três o burburinho (que costuma começar só depois das cinco) já era grande, e ao cair da tarde a rua já estava completamente tomada, impossibilitando a passagem dos carros, lembrando a Rua Farme de Amoedo no carnaval carioca. Todo mundo estava lá, e de rodinha em rodinha era impossível ir embora dali.

À noite, minha primeira parada foi o Hotel Unique, onde o DJ nova-iorquino Junior Vasquez se apresentava na festa mais cara da temporada (R$65 antecipados, passando para R$80 e astronômicos R$120 na hora). O público era a nata da nata da nata dos homens mais belos, mas a festa em si não ajudou nada. A produção era paupérrima: não havia iluminação alguma (apenas duas estrobos e meia dúzia de luzinhas que mudavam de cor, dessas de festinha de condomínio), de modo que a pista ficou praticamente toda escura. Sem falar que, com o preço salgado da entrada (nem vou falar da água a R$5 e do estacionamento a R$18), acabou vindo muito menos gente do que seria o ideal para um espaço daquele tamanho. Resultado: uma festa meia-bomba e sem vibe, um triste quadro o que o som da cacura de NY só agravou: se o set do Peter havia sido ruim, o do Junior era um medo total - só faltou ele tocar “Ilariê” !!!

Assim que consegui carona, fugi correndo para a The Week, onde por R$30 tive uma festa de verdade: superprodução, muitas luzes, euforia coletiva na pista, e um clima mais do que agradável no jardim - onde já fazia bem menos frio, sinalizando que o domingo da Parada seria quente. Se o Peter e o Junior haviam sido surpresas ruins, esta foi a melhor: a nossa prata da casa deu um presente para o público. Desta vez o João Neto estava meio bagaceiro, é verdade, mas quando entrou o Renato Cecin...

Já eram cinco e meia da manhã, e o horário permitia um set menos travestcheee. E o público estava no auge da disposição, vivendo aquela festa como a grande festa que ela era. Cecin então mandou uma seleção antológica, que remeteu aos tempos áureos da X-Demente na Fundição Progresso. Do hard house mais batido ele foi evoluindo para uma coisa mais progressive e até para o tech house, e aquelas paradinhas chatas que cortavam qualquer onda deram lugar a um set contínuo, crescente, épico, perfeito para o colocón.

Ele não deixou de fazer algumas concessões à bagaceirice, mas até nos momentos mais fubá ele foi feliz – como no remix de Greatest Love of All, que bem ou mal é a melhor música que a Whitney Houston já gravou, e aqui veio numa versão meiga mas dançante, que rendeu um momento perfeito para sorrir e abraçar os amigos mais chegados, lembrando o quanto eles eram especiais. A resposta do público era sempre excelente, a pista menos lotada já estava gostosa para dançar, e essa felicidade toda fez do sábado da The Week a melhor noite da temporada.

Às oito e meia, a pista continuava feroz e o DJ Pacheco, que já havia aberto a noite, voltou para o som, enquanto um dia lindo de sol enfeitava os jardins. Saí às dez e meia, pedindo misericórdia. Mas o babado rolou até... duas da tarde.


Sem dúvida, uma noite histórica.

Semana da Parada, parte 1: quarta e quinta


E São Paulo teve sua nona Parada Gay, com 2 milhões de participantes, exposição e comentários óbvios da mídia (as abobrinhas que o Faustão dizia na TV enquanto eu me vestia para ir à Paulista eram de doer). E, antes da Parada em si, como já é praxe, muitas festas e alguns eventos fizeram a alegria das colegas de todo o Brasil que lotaram os hotéis de São Paulo.

Na verdade eu tenho assunto para encher um post de quatro páginas, mas meus textos acabam ficando sempre longos demais e eu preciso começar urgentemente a controlar essa incontinência verbal. Senão ninguém vai ler nada do que eu escrevo.

Assim, vou só fazer um breve relato das festas e eventos de que participei, como um diário de bordo mesmo. Não é o que eu queria fazer, mas é o mais viável neste momento. Depois, se eu tiver tempo, escrevo mais.

Quarta, 25 de maio. Abertura oficial dos trabalhos, com o esperado long set do DJ americano Abel na The Week. A casa estava lindamente decorada, com iluminação vermelha nas árvores ao redor da piscina e bolas gigantes sobre a pista, que se manteve desagradavelmente superlotada até quase 5 da manhã. O som do cara ? Sem sustos, correspondendo ao que se podia esperar de uma festa exclusivamente gay: tribal house à americana, bem alegre, pra cima, com vocais grudentos e algumas faixas bem rebolativas.

Abel virou ídolo no Brasil depois de um histórico set de 9 horas no extinto clube Level, na antevéspera da Parada de 2004 - muitos dizem até hoje que essa foi a melhor noite de suas vidas. Já para quem não é muito chegado em cha cha cha, a festa valeu mais pela animação do público, que ainda estava na primeira noite de jogação e transbordava energia, excitação e entusiasmo, e pela produção impecável da casa, disposta a impressionar os turistas e deixá-los com vontade de voltar. Pelo menos o Alisabel não tocou a insuportável Cha cha heels...

Quinta, 26 de maio. Foi um dia de transitar entre os espectros mais extremos da cena gay de São Paulo (e, por que não, do Brasil).

À tarde, o Centrão foi tomado por uma multidão pra lá de democrática em mais uma edição da Feira do Arouche, que levou mais de 50 mil pessoas ao Largo do Arouche. Em um enorme palco, drags queridas como Silvetty Montilla e Thalia Bombinha entretinham o público com suas palhaçadas, enquanto na praça espelhavam-se barracas e tendas com artigos de interesse do público GLBT, desde artigos de decoração até livros e sungas de praia (a mais concorrida era a tenda do For Man, novo canal de TV por assinatura de conteúdo homoerótico, que exibia uma generosa amostra de sua programação em cabines do tipo peep show).

Na multidão, gays novinhos da periferia, coroas de diversos estilos, casais e grupos de sapas, barbies do centrão, travestis e, também, um bom número de famílias e curiosos. Uma verdadeira salada de tipos (muitos dos quais habitualmente varridos para baixo do tapete pelas bichas do eixo Ipanema-Jardins) mostrava que existe muita vida e diversão além dos padrões estabelecidos pelo meio, que diz lutar pela tolerância, mas também é encharcado de preconceito.

À noite, enquanto o Ultralounge recebia o elogiado set do DJ Alex Lauterstein e a The Week fazia a festa dos econômicos que compraram o passe de 5 dias por R$100, fui conferir a Magma, festa promovida por duas conhecidas barbies da noite de SP numa boate hetero do Itaim chamada Lassù. Na escura pista de dança, o público era homogeneamente belo e barbie, num clima de confraternização entre amigos - provavelmente, todos ali já se conheciam de outras festas.

DJ queridinha da cena tribal carioca, Ana Paula fez um set previsível e bem menos ousado do que costuma fazer quando é atração principal nas superfestas X-Demente. Tanto que o clímax de sua performance foi com Easy As Life, surradíssimo hit de Deborah Cox que levou os apolos ao delírio, revelando que muitos deles guardam uma alma de diva dentro de seus corpos de adônis. Depois dela, o DJ Roberto di Macedo, de Lisboa, mostrou um som tipicamente europeu: linear, acessível sem ser comercial, com poucos vocais e várias pitadas de house progressivo e até de trance - nada comovente, mas bastante adequado para o clima de inferninho da pista e o estado de colocação das bees. Depois dele entraria um inglês chamado Jon Cutler, mas acabei indo para casa antes disso. Não foi especial, mas até que valeu.

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Redescobrindo o inferninho vermelho

Sempre detestei aquele lugar. O espaço era pequeno demais, uma pista apertada, um mezanino sem graça isolado de tudo. No som, sempre o lado mais chato e pobre do tribal e da hard house; nenhuma noite tinha um som melhorzinho. E o público... enquanto quem tinha bom gosto musical ia pro D-Edge, pro Lov.e ou pro Pix e quem tinha corpão ia pra Level e para a The Week, aquele lugar recebia um povo totalmente sem sal - uns mauricinhos aguados de camisa com listras diagonais e topete assimétrico esculpido com gel, e umas meninas fag hags que se achavam as glamourosas & mudernas por freqüentarem o meio, e acabavam sempre dando em cima dos barmen da casa por pura falta de opção (por razões óbvias).

Enfim, um lugar sem graça, caro pelo que oferecia, e que não dava pra pensar em freqüentar. Eu morria de pena dos turistas que chegavam atraídos pelo nome da casa (que já teve franquias em Campinas e Fortaleza) e se deparavam com aquela caixinha vermelha minúscula e cheia de pretensão. Acho que se não fossem os habitués e mais os incautos de fora, aquele lugar já teria fechado há muito tempo. Ainda mais numa cidade exigente como São Paulo. Com a cor do meu dinheiro, eles nunca puderam contar.

Desde a inauguração no novo endereço, eu sempre ignorei solenemente o Ultralounge.

Quando as pessoas falaram que o novo after hours do Ultra estava sendo o máximo, no começo não dei ouvidos. Quando começaram a dizer que os domingos de manhã no Ultra estavam melhores do que os sábados à noite na Babylon, me surpreendi, achei graça, mas ainda assim fiquei na minha. Agora, quando fiquei sabendo que já tinha gente deixando de sair no sábado para dormir e acordar cedo para o after, decidi que eu precisava ver o que estava acontecendo.

Assim, furei meu jejum monástico pré-parada e fui conferir o tal after do Ultra. E fiquei pretérito. É totalmente diferente. E é maravilhoso.

Pra começar, o público. Em grande parte, gente que vem da The Week ou de qualquer outra balada, e já chega com pique de jogação - muitos bastante aditivados, é verdade, mas dá pra ver que a vibe do povo não se resume ao colocón. Todo mundo quer dançar, curtir, jogar os braços pra cima quando a música explode, gastar energia. OK, OK, alguns estão mais preocupados em arranjar uma foda ou fazer padê no banheiro, mas pelo menos não há sinal de gente blasé fazendo cara de paisagem. No after, quem está lá é porque quer se jogar mesmo. E em geral, gente muito mais bonita, que sabe se jogar, muitos homens belíssimos e algumas mulheres (naturais ou artificiais) no mínimo cheias de atitude.

Tudo aquilo que milita contra a casa durante a noite trabalha a seu favor no after. O espaço que para uma balada normal é pequeno, para um after é exatamente ideal. O que na noite é uma iluminação pobre, no after vira uma escuridão bem dosada e muito bem-vinda. No clima monótono da noite, o vermelho da decoração, os móveis de veludo, os banheiros com porta estofada, tudo soa brega, cafona; no ambiente mal-comportado do after, aquilo adquire um outro significado, fica com cara de inferninho decadente, de puteiro underground, lembra uma boate da Rua Augusta ou mesmo um after de Barcelona. De repente, tudo ali cai bem.

E o som... eu achava que não dava pra se surpreender com João Neto e Renato Cecin. Mas deu. O que eles tocam ali é radicalmente diferente do que tocam na Babylon. Enquanto na Babylon o que se vê é aquela xaropada repetitiva de tribal e drag hits que não dá nem vontade de dançar, no after do Ultra só toca house bom - não necessariamente mais pesado, mas menos comercial, só coisa boa de se colocar e dançar. Nada de fubá.

Colhi nos bastidores a informação de que a The Week exige que os DJs centrem o set em coisas mais populares, que possam agradar às bichas leigas, que sejam digeríveis pela caipira do interior e pela pintosa que gosta de dublar. Com isso eles ficam presos ao drag house, não podem ousar muito, precisam tocar o que o povão quer. Já no after do Ultra eles têm liberdade total e tocam o que querem e o que realmente gostam.

A diferença é gritante. Vendo o João tocar na Babylon, você não dá nada por ele, é apenas mais um que toca a mesma coisa, quando muito pode-se dizer que o corpão dele é melhor do que o dos outros DJs, e olhe lá. No after, ele mostra que sabe ir além daquilo, que está adquirindo cultura musical, que sabe diversificar. No meio do set, joga umas coisas mais antigas, mas que continuam excelentes hinos de jogação, muitas delas anteriores ao início da carreira dele, o que mostra que ele tem pesquisado.

Incrível como no mesmo Ultralounge de sempre, conseguiram criar uma experiência totalmente diferente e muito mais legal. Acho que finalmente a casa acertou o foco e achou sua vocação. Na minha opinião, esse after é a melhor balada fixa de Sampa para o público gay na atualidade, junto com a eterna matinê da Blue. Com certeza voltarei.

A The Week é um espaço maravilhoso e muito especial e merecia uma programação musical à altura. Uma pena que esteja se acomodando (mais do que isso, se acovardando) e não dê espaço para inovações. Usa a desculpa de que o povão não tem educação musical, mas a verdade é que as bichas nunca gostarão de outras coisas se não lhes for dada outra opção. Nos guetos gays dos Estados Unidos ouve-se esse mesmo lixo, mas em Londres por exemplo existem várias baladas gays onde a house mais underground domina - e elas são um sucesso. São Paulo, como capital gay da América Latina, merecia uma chance de ter uma música melhor.

terça-feira, 24 de maio de 2005

Una pasión desenfrenada

Ella lo conoció en una noche tibia.

Estaba muy apurada y, como que por un milagro, él apareció. Y desde entonces todo le quedó más fácil.

Empezaron a verse todos los días. Ni siempre se llevaban bien: a veces era muy difícil hablar con él.

Al comienzo, ella quiso desistir. Quiso cambiarlo por otro. Pero después se acostumbró, y un día, como las flores que nacen sin alarma y llenan los jardines de vida, ella se dio cuenta de que estaba totalmente enamorada de él. Un amor profundo y sin límites.

Era verdad que él tenía otras amantes. Ella lo sabía, y no le importaba; todo lo que le importaba era que todos los días él estuviera allá, para recogerla y llevarla a las rayas del paraíso - o, mas precisamente, muy cerca del cementerio.

¿Su nombre? Ella sólo lo llamaba "17", y eso bastaba.

Era el ómnibus que hacía el recorrido desde el Barrio Norte hasta la Recoleta.

[Escrevi esse conto como trabalho para meu curso de espanhol, usando como base uma crônica feita por meu querido amigo Xande Carioca].

sexta-feira, 20 de maio de 2005

O Rio de Janeiro na minha vida

Quem me conhece sabe bem que, se São Paulo é minha esposa e fiel companheira, que me sustenta e estará sempre ao meu lado, e que eu amo e amarei pra sempre, é no Rio que está minha grande paixão, que me dá horas e horas de prazer, balança minhas estruturas e invade meus pensamentos a todo tempo.

Como tantas pessoas, de tempos em tempos eu preciso dar uma escapadinha do casamento, esquecer dos problemas e da rotina estável, e correr para os braços de minha amante, meu esconderijo de puro hedonismo, exuberância e luxúria, onde todos os dias são lindos, todos os corpos são belos, todos os problemas são banais, todas as discussões são rasas e inúteis e tudo é motivo para sorrir, despir-se, ficar de papo pro ar, jogar os braços pro alto e celebrar.

Tenho um carinho especial pelo Arpoador, tanto que coloquei essa linda foto como meu plano de fundo. Eu ligo meu computador em casa e logo sou transportado para Ipanema, onde o sol está brilhando e a praia me chamando para o fervo. Aliás esse foi o único jeito que eu tive de conseguir viver com vista pro Arpoador...

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Marco zero

Eu sempre gostei muito de escrever e acho que, enquanto uns têm dom pra jogar futebol ou compor jingles de comercial de sabão em pó, meu dom é esse.

Por uma dessas maluquices do destino, minha primeira escolha profissional foi o mundo do Direito. Digo primeira porque sei que não será a única, e sei que o dia da grande mudança está chegando.

Como meu trabalho exige que eu escreva, mas apenas sobre um tipo de coisa que não me agrada muito, eu acabo ficando sem ter onde botar pra fora as coisas e textos que se passam pela minha cabeça. Sempre resisti a criar um blog; acho que já existem coisas demais para prender a gente à internet, e hoje penso que viver a vida é mais importante do que passar a vida sentando numa cadeira vendo a vida dos outros na tela. Sem falar que os blogs já viveram seu boom e depois disso pouca gente continua a acessá-los, e criando um blog agora eu certamente choveria no molhado.

Quando comprei minha câmera digital, comecei a fotografar e brincar e explorar, e de repente vi que essa era uma nova e gostosa maneira que eu tinha para me expressar. Acabei abrindo um fotolog (http://www.fotolog.net/introspective) e isso rapidamente virou um vício. Fiz e tenho feito vários amigos e hoje posso dizer que essa é uma das minhas raras doses diárias de prazer garantido que eu tenho na vida.

Só que a vontade de escrever continuava. Eu acabava escrevendo alguns textos e colocando no fotolog mesmo, mas acho que ali a linguagem é outra, alguns até se dispõem a ler mas no fundo ali o esquema é jogo rápido: todo mundo prefere ver a foto e no máximo uma legenda curtinha pra ler.

E meus amigos começaram a insistir pra eu ter um blog: "Pô cara, blog é a sua cara, abre um blog, como vc ainda não tem seu blog..." E eis que numa tarde em que eu me vi livre dos meus pepinos jurídicos, comecei a fuçar e decidi abrir isto aqui. Vou atualizá-los aos poucos, sem cobranças, pois acho que é assim que as coisas têm que ser: gostosas e espontâneas !